Sempre que chegavas, os cavalos do
coração iniciavam o seu galope: bruscos bateres no peito, os cascos
a dilacerarem o diafragma (órgão que sempre suportou pancadas de
tais animais em silêncio e obstinação). O diafragma é um
daqueles trabalhadores sumidos que suportam a afronta dia e dia até
ao lampejo da exaustão. Um dia não aparece, cansou-se ou foi à
praia, e deixa-nos em cama ou cadeira gelados à sua espera.
Mas toda a gente sabe que não temos
cavalos no coração. A natureza nunca os criou dentro de nós visto
não haver muito espaço para estes correrem. E também, não ignorando, devido às leis de Darwin: o diafragma de antes-de-ontem
cansado de pancadas de cavalo, notificou por correspondência que
só a natureza conhece, o de ontem; e este, por sua vez, o de hoje.
Assim se extinguiram os cavalos dentro de nós.
Mas sempre que chegavas, os galopes vinham. E eu sem saber justificar de onde nascia tanta tremura, como falar-te se me vinham coices à boca, como olhar-te se a cabeça me era descontrolada nos modos. Eu arrependido de não ter limpo os óculos, com medo de notares o baço das lentes e gostares menos de mim. Pobres dos diafragmas que suportam em braços a devassidão da cabeça e do corpo.
A tua voz a chegar-me tão fresca e sedosa. Há vozes que sabemos que são de mulheres bonitas porque só a beleza do artefacto pode produzir tal sonoridade.
E quase te pedi que me contasses (cantasses?) uma história onde os cavalos são bichos sensíveis que sabem ler no andar do dono a ventura do seu destino.
Porque também eu sou um bicho sensível e vejo na dor de um diafragma o brotar de um amor.