sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Cavalos

Sempre que chegavas, os cavalos do coração iniciavam o seu galope: bruscos bateres no peito, os cascos a dilacerarem o diafragma (órgão que sempre suportou pancadas de tais animais em silêncio e obstinação). O diafragma é um daqueles trabalhadores sumidos que suportam a afronta dia e dia até ao lampejo da exaustão. Um dia não aparece, cansou-se ou foi à praia, e deixa-nos em cama ou cadeira gelados à sua espera.

Mas toda a gente sabe que não temos cavalos no coração. A natureza nunca os criou dentro de nós visto não haver muito espaço para estes correrem. E também, não ignorando, devido às leis de Darwin: o diafragma de antes-de-ontem cansado de pancadas de cavalo, notificou por correspondência que só a natureza conhece, o de ontem; e este, por sua vez, o de hoje. Assim se extinguiram os cavalos dentro de nós.

Mas sempre que chegavas, os galopes vinham. E eu sem saber justificar de onde nascia tanta tremura, como falar-te se me vinham coices à boca, como olhar-te se a cabeça me era descontrolada nos modos. Eu arrependido de não ter limpo os óculos, com medo de notares o baço das lentes e gostares menos de mim. Pobres dos diafragmas que suportam em braços a devassidão da cabeça e do corpo.
A tua voz a chegar-me tão fresca e sedosa. Há vozes que sabemos que são de mulheres bonitas porque só a beleza do artefacto pode produzir tal sonoridade.

E quase te pedi que me contasses (cantasses?) uma história onde os cavalos são bichos sensíveis que sabem ler no andar do dono a ventura do seu destino.
Porque também eu sou um bicho sensível e vejo na dor de um diafragma o brotar de um amor.