terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Lâmpada do Albino

Abro a porta da rua, pesada de madeira e de anos. A rua está enfeitada de automóveis coloridos com vidros espelhados pela luz atómica da manhã. São espelhos que reflectem um céu que não se vê. Os prédios altos e inclinados uns para os outros com chapéus de telha laranja-verdete recebem os pombos citadinos e civilizados, mas que mesmo assim não deixam de fazer merda.
Enquanto fecho a porta e sinto as primeiras brisas da manhã, vejo a lâmpada do Albino. Uma luz pálida de cave funda, com uma tristeza e segredo próprios de lâmpada de lar. O fio de tungsténio ardia até mim, passando pela janela gradeada que deixa um rasto amarelado. Do lado de fora, no peitoril da janela, nascia tudo em sombras uma chávena, uma colher que tilintava sons de café, a figura do Albino toda ela em pelota e calção-cueca, a barriga nua do Albino com pêlos salteados, as costas despidas como cabides, a mão que erguia agora a chávena, a boca que se aproximava aberta em concha, o trago de café que descia luminoso pela goela.
E ao fundo da rua já só brilhava a lâmpada do Albino abraçada de azul-cueca.