quinta-feira, 30 de julho de 2009

O primeiro amor

Descia eu da cadeira almofadada alta rastejando por ela abaixo, as calças subiam-me engelhadas até entre coxas, ficavam de fora os meus sapatos de fivela e meias brancas. Cá em baixo, escondido, envergonhado do estranho mundo de lá de cima, via sentar-se minha mãe na cadeira de dentista enquanto a cabeleireira perguntava como ia ser

(Qualquer coisa permanente)

No sofá de espera com uns óculos estrelares ouvia eu qualquer coisa permanente. Destroçado com os vocábulos estranhos remoía eu pensamentos. A cabeleireira era bonita. Ou talvez não fosse mas eu gostava de qualquer coisa envolta em produtos cheirosos - as barbies da minha irmã também eram bonitas.
Interessei-me em captar a atenção da cabeleireira. Fui à sacola, peguei no meu primeiro livro de aventuras e comecei a ler a história em voz alta com desenvoltura e confiança. As letras ainda eram recentes para mim. As junções só saiam à segunda ou terceira tentativas, as pausas de vírgulas eram suprimidas pelos longos tempos de soletração. A cada ponto final, voltava a repetir a frase com mais destreza, terminado-a com um grande elogio da cabeleireira. Uma nova frase começava - A mi, A mi-nha mãe, deu-me um, um... - corri para minha mãe, que tinha um capacete de motorizada na cabeça, e perguntei

(Oh mãe como se lê isto?)

(Kispo - disse ela)

Era kispo. Nunca tinha visto um capa. A cabeleireira descompôs-se num sorriso sincero que envergonhava a minha inocente figura. O caminho de regresso ao sofá fez-se muito grande com o embaraço e fui ficando esquecido por ali. Perguntei baixinho à minha mãe

(Oh mãe, porque não casas com a cabeleireira?)

terça-feira, 28 de julho de 2009

Matrimónio

- Tu não tens paciência que eu sei que não. Elas são complicadas. Repara bem: ela diz que vai pregar um prego. E tu: um prego?! Estás a ver? Tu vais-te chatear e não vale a pena.

(Pois eu tenho-a deixado à vontade)

- Uma coisa é certa e falo por experiência: tu podes ter uma parede azul e outra verde e achas que aquilo é a coisa mais bonita. Para ela é uma porcaria. Deixas ao gosto dela, tu não queres chatices. Vais ver que ela te pinta aquilo noutras cores e tu vais gostar. Nisso tenho de dar o braço a torcer. Elas sabem o que é bonito.

(Isso sabem)

- Não podes deixar é que ela te pinte a casa toda de cor-de-rosa. Tens de ter o teu espaço!

(Claro)

- Deixas a sala para ela cheia de fotografias e ficas com um quarto só para ti. Para escritório com posters de gajas nuas. Percebes?

(Pois...)

- É que tu vais-te chatear e não vale a pena porque ela ganha por insistência.