Descia eu da cadeira almofadada alta rastejando por ela abaixo, as calças subiam-me engelhadas até entre coxas, ficavam de fora os meus sapatos de fivela e meias brancas. Cá em baixo, escondido, envergonhado do estranho mundo de lá de cima, via sentar-se minha mãe na cadeira de dentista enquanto a cabeleireira perguntava como ia ser
(Qualquer coisa permanente)
No sofá de espera com uns óculos estrelares ouvia eu qualquer coisa permanente. Destroçado com os vocábulos estranhos remoía eu pensamentos. A cabeleireira era bonita. Ou talvez não fosse mas eu gostava de qualquer coisa envolta em produtos cheirosos - as barbies da minha irmã também eram bonitas.
Interessei-me em captar a atenção da cabeleireira. Fui à sacola, peguei no meu primeiro livro de aventuras e comecei a ler a história em voz alta com desenvoltura e confiança. As letras ainda eram recentes para mim. As junções só saiam à segunda ou terceira tentativas, as pausas de vírgulas eram suprimidas pelos longos tempos de soletração. A cada ponto final, voltava a repetir a frase com mais destreza, terminado-a com um grande elogio da cabeleireira. Uma nova frase começava - A mi, A mi-nha mãe, deu-me um, um... - corri para minha mãe, que tinha um capacete de motorizada na cabeça, e perguntei
(Oh mãe como se lê isto?)
(Kispo - disse ela)
Era kispo. Nunca tinha visto um capa. A cabeleireira descompôs-se num sorriso sincero que envergonhava a minha inocente figura. O caminho de regresso ao sofá fez-se muito grande com o embaraço e fui ficando esquecido por ali. Perguntei baixinho à minha mãe
(Oh mãe, porque não casas com a cabeleireira?)
Que doce, assim levava a mãe e a cabeleireira para casa... ;-)
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