segunda-feira, 29 de junho de 2009

Eléctrico

Senta-te (ordenaste-me).

(Haviam diversos lugares desocupados) sentei-me. Num soluço teimoso o eléctrico arrancou em direcção à noite, fugindo melancolicamente ao halo alaranjado que formava uma abóbada sobre a cidade. A campainha tinia com suas cordas vocais gastas avisando peões que fugiam dos pequenos mercados, carregados de sacos plásticos claros, sussurrando orações sobre o preço das coisas.

Tu, calmamente e abstraída do eléctrico, da noite e das orações, tiravas a tua agenda forrada a pele de um boi-qualquer, e fazias apontamentos de incerteza. Planeavas (ou discutias?) com traços que rasgavam o papel, deixando um risco escuro e molhado que me brilhava nos olhos sempre que olhava para ti.

Atrás de mim via os riscos (carris) do percurso do trem que pareciam desenhados por ti. Escritos num terreno ladeirento, faiscavam à luz pública raios de azul relâmpago, e em cada raio via o teu reflexo que se aproximava, lentamente, solene, numa mistura de partículas foscas.

Ei, sonhador! Temos de sair.

(E eras tu por detrás de mim. De sorriso largo fazias-me uma pinta no nariz com a tua caneta de feltro.)

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