Às segundas pela manhã tenho uma especial atenção pelos costumes remelados da sociedade. Contemplo gravatas passantes cheias de pressa a dar a dar. Umas rebeldes ao vento, já outras presas por mãos sapudas ou abas de colete. Mas umas e outras conversam mal-dispostas sobre bola e pernas de mulher. Uma gravata ao fundo soluça a café. De esquinas diversas juntam-se também os sapatos de tacão: há-os elegantes na passada, os altivos, os que condenam o tempo com toc-toc ou os roliços com boquinhas torcidas. Falam de nada com carácter importante como se sentenciassem um pecado capital.
Duas velhas descem a rua com cabeleiras excitadas, trazem os rostos (conservados?) em gorduras, os bordos da boca aumentados até ao buço por batom encarnado ou rosa, daqui não vejo bem, para induzirem lábios carnudos e sedutores. Da boca de uma adivinho um travozinho a álcool.
E escondo-me num café matinal, onde o dono na penumbra fica a rir para dentro de um telefone à David Lynch. E contínua.
- Olé, espera aí que já vou – diz um velho de olhinhos fundos a admirar o par de velhas para além da vitrina, expressando vontades com palmadas na mesa.
Peço um café e o empregado muito mudo, fica a medir a distância entre ele e a máquina de café, calculando e exagerando o esforço. Torce o beiço desgostoso até perto da orelha e vai contrariado como um menino que satisfaz as vontades do pai.
- É pá, um gajo é fazê-las em quanto pode – sentenciou o dono e trocou o telefone de mão.
O empregado atirou-me o café para o balcão rudemente e com gestos mal articulados de tão pouca vontade. Lentamente fui acompanhando os diferente planos. Ao fundo do café, um casal de gatos iniciava-se na vida amorosa sobre uma cadeira
- Ih, ih, ih, ih – ouviu-se.
E nem soube se tinham sido dores de gata ou o escárnio do velho a contemplar a natureza.
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