O autocarro soluça todo ele com cabeças de passageiro a dizerem que sim ou que não conforme o balanço. Acontecem momentos de mútuo desacordo, uns diziam que sim e os outros desaprovavam que não, que o sentido do balanço é lateral, que assim é que deve ser. Óculos escuros inquisidores, inquisidores e arrogantes, sempre sentados, a arrogância viaja sempre sentada. O nariz de um óculo escuro aponta-me ofendido de eu tanto o olhar. O nariz quase me toca na ponta da testa e me pergunta
- O que foi?
Não. Não. Talvez não seja o que foi. Será antes
- Estás a olhar?
Eu mudo. Nem que sim nem que não. Só respondo se o autocarro balançar. O que pode demorar. Aquele nariz assim a perguntar traz-me memórias
- Estás a copiar Tó?
Tó não, pensava eu. Sou António Fagundes senhora professora
- Estás a copiar António?
E duas mocas dadas pela professora com os nós dos dedos juntos, onde no caco da cabeça sentia o seu anel de casada. E o autocarro que sim. Que afinal estava a olhar.
- Estás a olhar António?
Sim estou. Eu não mais mudo. Duas velhas mastigam marmelada todo o caminho. E com os olhinhos de noitibó a procurarem motivos
- A menina tem melhores pernas, bem pode ir de pé.
A investirem na confusão alheia para enriquecer o dia, para justificar se quer o levantar cedo. Tão penoso é o dia quando nada de outrem há para o alimento da expressão da realidade. A realidade expressa-se de tantas maneiras quantas janelas tem o autocarro. E cada qual usa a janela que mais lhe convier. Eu uso uma janela com uma silhueta feminina do outro lado. No balanço do autocarro eu confesso à silhueta que sim, que se ele pedisse muito a papava. Hoje, amanha e sempre amém. Mas toda ela indiferente. Toda ela mulher. Certamente não me ouviu. E vou gritar mais alto quando uma velha escorraça um velho porta fora
- Seu velho porco e contente – grita.
O velho porta fora em corridas satisfeitas. O seu sorriso trouxe-me à memória o Hélder que na escola levantava com varas as saias das colegas por trás e sem darem por ele, fazia metro e meio de sonho acuecado. Na frente a rapariga, a segui-la a vara, logo atrás o esgar do Hélder e no final, todo um auditório masculino. A professora no alto da sua janela via toda a procissão apregoando promessas cá para baixo
- Eu estendo-te nu no espigão Hélder.
A velha ainda no autocarro.
- Seu ordinário e contente.
Ou se ninguém ouvisse, se ninguém no autocarro, se ela sozinha com ele, talvez já não seu ordinário, talvez só
- Mate-me a saudade de um beijo.
- O que foi?
Não. Não. Talvez não seja o que foi. Será antes
- Estás a olhar?
Eu mudo. Nem que sim nem que não. Só respondo se o autocarro balançar. O que pode demorar. Aquele nariz assim a perguntar traz-me memórias
- Estás a copiar Tó?
Tó não, pensava eu. Sou António Fagundes senhora professora
- Estás a copiar António?
E duas mocas dadas pela professora com os nós dos dedos juntos, onde no caco da cabeça sentia o seu anel de casada. E o autocarro que sim. Que afinal estava a olhar.
- Estás a olhar António?
Sim estou. Eu não mais mudo. Duas velhas mastigam marmelada todo o caminho. E com os olhinhos de noitibó a procurarem motivos
- A menina tem melhores pernas, bem pode ir de pé.
A investirem na confusão alheia para enriquecer o dia, para justificar se quer o levantar cedo. Tão penoso é o dia quando nada de outrem há para o alimento da expressão da realidade. A realidade expressa-se de tantas maneiras quantas janelas tem o autocarro. E cada qual usa a janela que mais lhe convier. Eu uso uma janela com uma silhueta feminina do outro lado. No balanço do autocarro eu confesso à silhueta que sim, que se ele pedisse muito a papava. Hoje, amanha e sempre amém. Mas toda ela indiferente. Toda ela mulher. Certamente não me ouviu. E vou gritar mais alto quando uma velha escorraça um velho porta fora
- Seu velho porco e contente – grita.
O velho porta fora em corridas satisfeitas. O seu sorriso trouxe-me à memória o Hélder que na escola levantava com varas as saias das colegas por trás e sem darem por ele, fazia metro e meio de sonho acuecado. Na frente a rapariga, a segui-la a vara, logo atrás o esgar do Hélder e no final, todo um auditório masculino. A professora no alto da sua janela via toda a procissão apregoando promessas cá para baixo
- Eu estendo-te nu no espigão Hélder.
A velha ainda no autocarro.
- Seu ordinário e contente.
Ou se ninguém ouvisse, se ninguém no autocarro, se ela sozinha com ele, talvez já não seu ordinário, talvez só
- Mate-me a saudade de um beijo.
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