terça-feira, 10 de agosto de 2010

Apetece-me Ela

Apetece-me ela. E quero apetecê-la num todo racional, apetecê-la em entendimento, pensá-la, ou apetecê-la só. Ou então só abrasar desejos esquecidos. Os olhinhos precipitados em mim e se os noto, logo olhinhos fugazes e perdidos de mim a procurar a origem de um ruído. De um som. Olhinhos que perguntam se não fui capaz de ter ouvido o que quer que seja, um sopro sequer, ali para os lados de baixo. Eu todo pedra. Eu todo pedra e três ripas de madeira para me fazer confundir nos planos, dar um estilo de ausência. Poder dizer

- Não sou eu, não estou aqui, sou pedra e cal e três ripinhas de madeira misturadas nos planos

Interessei-me pelo ruído para me interessar por ti. Fingi entendê-lo, desmultiplicá-lo numa nota só, expliquei-to sem explicar nada, expliquei-me antes a mim enquanto justificava o murmurinho. Apetece-me explicar-me a ti. O murmurinho lá em baixo

- Explica-te, explica-te

Eu a interessar-me nos efeitos do papel queimado de um cigarro, a seguir o fumo, sem te procurar por timidez, ou a procurar-te num soluço na esperança de não reparares. O ruído sempre

- Explica-te, explica-te

E se reparo muito em ti sei que vou sonhar-te.

Tu a escovares os dentes com cuidados de papel, a tua boca desfeita num sorriso espumado. Eu a fintar móveis na sala só para me distrair de ti. A procurar conveniências. A ensaiar frases, a pedir ao ponteiro de um relógio não me afastes dela empurrando-me porta fora com pressas de tempo. Em torno de ti os objectos de beleza a desentenderem-se uns com os outros dentro de uma caixa, tu a escolheres o melhor objecto para estampar feições no rosto, ficares ainda mais

- Apetece-me ela duas vezes

Os objectos a pedirem leva-me a mim que sombreio, leva-me a mim que arrebito pestanas, eu a pedir-te leva-me a mim que não faço coisa nenhuma, leva-me só nos dias ímpares para que não te mace, leva-me por levar, leva-me por ter esta lentidão da fuga dos fracos.

Vejo-te no teu silêncio aveludado, sempre julguei impossível ser-se silêncio e ter-se tanta textura. Nessa forma de dar-se sem haver entrega. Os gestos a nascerem, quero dizer, o significado dos gestos a nascerem sem haver o gesto. O gesto é bruto, implica a mutação física dos membros, que são sempre ímpios da crença da alma. Tu num significado a dizeres-me algo que não sei entender, talvez seja

- Deixa-me

Tenho esperança que fosse o ponteiro ciumento a empurrar-me

- Sai daqui