Quando fui criança, o domingo era uma insónia eterna e repetida. Um pedaço de tempo separado. Era o dia dos crentes em roupa nova que ouviam patres salivosos de homilias frescas. Haviam os banquinhos de igreja em castanho-caca que carregavam as viúvas e as suas devoções, que eram muitas, a bichanarem segredinhos a deus. Nas mãos engelhadas de gebas viam-se contas de terço rodopiarem num frenesim ansioso. E eu inocente, acompanhava a minha tia solteira, mais viúva que elas, que talvez pedisse a deus uma única noite de sexo, de prazer, ou só companhia. Esperança ao menos. Talvez pedisse um filho, que é uma forma mais séria de obter o mesmo. E eu inocente.
A minha tia solteira, porque era solteira, tornara-se um rio de sentimentos solteiros canalizados com um único fim: o esquecimento. Nada mais. Apenas suportar a rotina, aceitá-la e rezá-la. E enquanto o pater levantava uma lua-cheia e a enfiava nas goelas não sei como, esperando de mãos no peito que ela se digerisse por si; eu pensava no copinho que a minha tia solteira usava para medir o arroz porque me dava fome vê-lo comer. Até que se ordenavam filas de exército enquanto eu ficava no banquinho a ver o pater enfiar hóstias em bocas humildes. Uma ou outra vez, o pater zangado sacudia os dedos olhando para um velho outro, que lhos tinha babado. Era a comunhão.
Eu no banquinho ouvia
- Vem Cristo, Vem – em coro finíssimo.
Em vez de Cristo, vinha a minha tia. Hirta e virgem.
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