Estendeu-me um olhar esverdeado e molhado que afirmava ser capaz de me conhecer. A boca aberta num rasgo preto onde nunca viveram dentes desde que me lembro. Pensei que me olhava, talvez me tenha olhado. Visto mesmo. Ou talvez apenas um lampejo de memória. Uma recordação. Uma nota solta de uma peça musical que não sabemos bem qual. E ficou ali, todo olhos, todo olhos e um rasgo preto na boca que não mexia, que não formava mais nada para além do abismo. Talvez não tivesse forças já para do abismo fazer sair um qualquer ruído. Ou teria guardado as forças todas na contenção da urina sempre fugidia que não poderia no momento
- Agonia - disse ele
Agonia num silvo. E os olhos fecharam-se cansados de ver, o abismo abriu-se um pouco mais e entravam e saíam colheres de papa ralada, ora para dentro, ora para fora do escuro imenso. Deixava-se a mastigar com as gengivas as papas eternas, sempre desconfiado no seu íntimo que uma espinha poderia aparecer solitária e abafá-lo.
Longe iam os tempos em que passeava no átrio da casa de um lado para o outro, enxotando um sortido de netos, varrendo ao fundo um grupo de tias. Os netos trava-os todos por Paulo e lançava
- Oh Paulo, Paulo? Foda-se. Quietos. Cachopada do caralho.
Que se ouvia duas vezes do eco que fazia. Já nessa altura a memória era pouca. Bem guardadas, só as memórias da eterna Maria Cândida. A primeira paixão do meu avô por entre folhas verdes de milho. Sempre que lembrado, sorria abafadamente com a mão à frente da testa, escondendo as faces rosadas, ainda a desejá-la.
- Cagai-lhe à porta e dizei que foi um cão - rejubilava ele.
E ria-se sofregamente uma tarde completa.
- Coitadinho - desprezava a minha avó
E o abismo sempre a mastigar à procura da espinha. A engolir muito demoradamente o último prazer da vida. As pernas em feridas do sono contínuo na cama de ferro. Sobrava-lhe a vida em sonhos se ainda pudesse lembrar-se de como fabricá-los. Desejei-lhe a morte num relance enquanto ele
- Agonia
E o abismo daquela forma aberto, virado para mim, era o início da morte.
- Agonia - disse ele
Agonia num silvo. E os olhos fecharam-se cansados de ver, o abismo abriu-se um pouco mais e entravam e saíam colheres de papa ralada, ora para dentro, ora para fora do escuro imenso. Deixava-se a mastigar com as gengivas as papas eternas, sempre desconfiado no seu íntimo que uma espinha poderia aparecer solitária e abafá-lo.
Longe iam os tempos em que passeava no átrio da casa de um lado para o outro, enxotando um sortido de netos, varrendo ao fundo um grupo de tias. Os netos trava-os todos por Paulo e lançava
- Oh Paulo, Paulo? Foda-se. Quietos. Cachopada do caralho.
Que se ouvia duas vezes do eco que fazia. Já nessa altura a memória era pouca. Bem guardadas, só as memórias da eterna Maria Cândida. A primeira paixão do meu avô por entre folhas verdes de milho. Sempre que lembrado, sorria abafadamente com a mão à frente da testa, escondendo as faces rosadas, ainda a desejá-la.
- Cagai-lhe à porta e dizei que foi um cão - rejubilava ele.
E ria-se sofregamente uma tarde completa.
- Coitadinho - desprezava a minha avó
E o abismo sempre a mastigar à procura da espinha. A engolir muito demoradamente o último prazer da vida. As pernas em feridas do sono contínuo na cama de ferro. Sobrava-lhe a vida em sonhos se ainda pudesse lembrar-se de como fabricá-los. Desejei-lhe a morte num relance enquanto ele
- Agonia
E o abismo daquela forma aberto, virado para mim, era o início da morte.
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