terça-feira, 15 de junho de 2010

Deixe-me ser pequenino

Deixe-me ser pequenino. Prometo-lhe não pedir biberões quentes a meio da noite ou papas de cerelaque mornas antes de deitar. Consinta que me deite no seu colo, dormir um sonho só. Queria ver se repetia um que gostei muito, onde passeava com a Marina num barco a remos e não havia margens, não havia rio, éramos só nós, o barco e os remos. Hoje as Marinas são grandes demais, perdem o encanto da inocência alegre. Acumulam demasiados defeitos.

E a luz um pouco acesa se faz favor. Não é pelo medo, é pelo ter que ser. Tudo em pequeno tem que ser. O penico deixe-o ficar por baixo da cama, não desse lado, deste, assim. Gosto de descer a meio da noite e enche-lo até cima, transbordá-lo se tiver vontade. Molhar um tapete e fugir para dentro dos lençóis e esperar que amanhã alguém limpe. Em pequeno pode-se esperar que alguém limpe. Alguém vem sempre limpar. E até lhe permito que me ralhe um pouquinho, diga um

- Anda lá que vais limpar

Para eu amuar um pouco e cobrir-me de lençóis a fazer buracos de lobo e a esconder-me com medo que o mesmo lobo espreite. Garanta que me deixa tirar um macaco do nariz e escolher o sítio onde largá-lo. É uma tarefa de estimulação esconder um macaco.

Nos parques conceda-me a liberdade suficiente de cair. Escorregar e cair. E se eu quiser abrir a boca deste cão aqui, porque quero, abro-a. Já vi na televisão abrirem bocas a leões. E quando me oferecerem alguma espécie de doce e eu o recusar, eu recuso sempre por capricho, tenha a bondade de o guardar no seu bolso que mais tarde eu procuro.

Liberte-me na rua com um tampo de uma panela e vai ver como eu ando de automóvel. Gosto muito de conduzir testos de panelas pelas ruas sem fim. E quando voltar, quero abrir a caixa de correio e esperar daquela coisinha fechada que não tenha só cartas, uma surpresa, alguma coisa. Espero um brinquedo.

Deixe-me ser pequenino antes que aquela luz ao fundo morra apagando-se.

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