sábado, 6 de agosto de 2011

Saquinho dos Pertences

O quarto numa penumbra amarelada de ovo, as roupas desvanecidas sobre a cama a perguntarem o que fazia eu ali, se era hoje que as levava. Eu medricas a recolher objectos. Nunca fui de carregar objectos, um livro só e um relógio. Medricas está-se sempre, nunca se é valente numa despedida. Aperfeiçoa-se em casa a melhor forma de dizer:

- Posso levar as minhas coisas?

O tom de voz a enrouquecer, um sentimento. Um sentimento não, sabe-se lá quantos. Em tempo nenhum se fez máquina que conte sentimentos e suas proveniências. A máquina a dizer:

 - Olha, estás a sentir amor! Não, agora sentes raiva. Não, não. Agora passaste a sentir pena de ti, estúpido?

Aqui nasce um orgulho a galope no amor-próprio que nos leva outra vez:

 - Posso levar as minhas coisas?

Tu com olhinhos verde-borrão a dizeres
 - Claro.

Muito despachada porque as despedidas devem ser assim. Começaste a puxar uma gravata estrangulada e a perguntares se era minha. Eu afectado sem saber se algum dia tinha vestido uma gravata vermelha. Temi insinuar que a gravata afigurava-se-me ser de um outro homem e nisto, pego na gravata e enfio-a no saquinho dos pertences. O livro, o relógio, a gravata que não era minha. Tu a um canto, paredes meias com a cómoda, abres gavetas violentas, e saltam cuecas e meias em novelo aos trambolhões cá para fora. As cuecas a gritarem:

- Liberdade! Liberdade!

Derreado, colhia a cuecada toda aos urros, as meias mais pachorrentas, mal pousavam no chão ficavam pegajosas como lesmas. Sempre foi estilo de meia ficar terrena. Por isso é que se usam nos pés. Eu sempre a pensar se teria valido a pena ter cá vindo, o meu pai sempre me disse que a dignidade distinguia um homem de um verme.  E eu sempre guiei a minha vida crendo que as referências são a chave da conduta.

Dava-me pena a roupa esmagada, oprimida dentro do saquinho. No término de uma relação a culpa faz-se pagar invariavelmente nos objectos. Ficando o reflexo do passado. Disse adeus e fugi dos teus olhinhos já verde-água. Há olhinhos assim que se deixam pagar pela culpa da razão. Olhinhos de menina. Há mulheres que são eternas meninas, vestem-se de quando em vez de novos caprichos julgando ser esse o caminho da maturidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário