quarta-feira, 13 de maio de 2009

Solidão

E subo e desço o Chiado. Tudo gente estranha. Uns estrangeiros que apontam objectivas potentes ao nariz do Pessoa. O Pessoa. Sem óculos. Um dia passei por lá e pus-lhe os meus. Tive cuidado, com os óculos claro. Assim pareceu-me mais real. Sinto essa necessidade por vezes: tornar o que me rodeia mais real, mais autêntico, menos fusco. Subo direito ao Trindade para ocupar tempo, vendo as montras e os anúncios vários das peças em cartaz. Contorno o Trindade e volto a descer para a praça Camões. O rio ao fundo dá-me a sensação de uma luz que se deixa acesa num escritório escuro. Num canto dois pombos amealham migalhas perdidas ou areias para a digestão. E eu migalho a vidinha para cima e para baixo, em expectativas de só.

Nos armazéns do chiado faço uma necessidade básica que a poupo ao leitor nos detalhes. Somos todos parecidos nestas coisas. Tomo um café e mastigo uma torrada seca. Pago bem. Nestas coisas não se perdoa. E volto a subir, o Pessoa pareceu-me mudar a pose, pareceu-me. Na rua vai um táxi, outro táxi. Tudo gente de pressa. E bato pé até ao miradouro. Compro um jornal para poder passar o tempo enquanto o dia escorrega suavemente. Dirijo-me às grades que torneiam todo o miradouro e deixo-me a cheirar odores que sobem, a ver laranjas de telhados, cinzentos-estátua e outros sítios por onde a solidão entre gente é muita.

Aconchego-me num banco e estendo o jornal. Podia bem ficar aqui a ver as pessoas falarem, a ver o barbas do lado a escrever – se calhar de mim e eu agora dele. Mas abro o jornal. Comprei-o para esse efeito básico. Também não dará para mais. Abrir e ler. Ler a vida dos outros. Ver o que é meu e de todos. E assim sinto-me mais integrado, mais vivo. Tudo isto porque faço um gesto comum. Sinto vontade de ser comum sem ser ridículo.

1 comentário: