quarta-feira, 13 de maio de 2009

Fantasmas


Descalço e vestido apenas por um lençol de banho caminhava eu pela avenida do Marquês de Pombal. Como se estivesse a sair do banho e fosse directo para a rua. Sentia-me ridículo conforme pode imaginar-se. Ou diria antes: desprotegido, é mais verdadeiro. E em pensamentos absolutos de nudez vou-me dirigindo para o mini-mercado com néons verdes claros e escuros, esperançado de sei lá! Sair vestido, talvez.

- Mas nem carteira tenho, foda-se! – pensei – Bem, mas se estou a dois passos de casa, visto-me em casa. - e dei dois passos para casa.

A caserna do quinto andar à qual chamava casa, ficava no prédio em frente onde me encontrava. Toda esta rua era pintada de casernas iguais, datadas da mesma época e de aspecto semelhante. No entanto, só aquela era a minha casa.

Enfiei a chave na porta, nem sei de onde a tirei, nem como a trazia. Dado lençóis de banho ainda não terem bolsas para objectos pessoais para facilitar as vidas de quem se passeia pelas ruas nestes preparos.

Nisto de abrir a porta, entrar e evitar que as vizinhas passantes me apanhassem em figuras reduzidas, apressei-me a ser breve e rápido quando me deparo no hall de entrada com os condóminos reunidos. Nesse preciso momento, estava a desenrolar-se a reunião de condomínio mensal na entrada do prédio, onde o espaço é de todos e de ninguém.

Praticamente em pelota, dignei-me a baixar a cabeça de vergonha e fisguei-me para os elevadores, quando me deparo com dois bispos no caminho. Um de cada lado com barretes papais, guardavam o que supunha ser uma reunião de condóminos. Um deles dirigiu-me várias palavras em latim – penso que latim – nas quais dei a minha melhor resposta católica que sabia.

- Deus esteja consigo Padre – cumprimentei.

E enfiei-me dentro do elevador velho, carreguei no botão do quinto andar que accionou imediatamente a suspensão do caixão espelhado. Quanto mais ele subia mais eu me ria. Toda a situação me era cómica e sempre me desejei a provocar os patriarcas de Deus. Mas no fundo, era vergonhoso. Logo hoje que me apanhei em trajes pouco católicos.

O elevador estancou. Abri a porta ferrugenta e dou-me de frente com a porta dos vizinhos aberta, de onde saíam grandes fumaças de incenso. Ouviam-se ais misturados de gemidos e saiu-me de rojo a vizinha vestida um tudo-nada em cabedais, amordaçada no pescoço por um cadeado taludo segurado pela mão do vizinho. E ela gemia enquanto avançava para mim.

Raspei-me, raspei-me bem para dentro de minha casa e ouvia-a do lado de lá. Ainda espreitei pelo monóculo da porta: montava-se o vizinho a cavalo nela e ela gemia ainda mais. Só pensava nos Bispos e na reunião quando me entrou o fumo de incenso pelas frinchas da porta. E ela gemia, gemia.

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